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FILIG - Muito Além das Fadas
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Passaro

Apresentação

Criado em 2014, o Festival Internacional de Literatura Infantil de Garanhuns vem diluindo limites e fronteiras. Consolidado no calendário da cidade agrestina, somando experiências, valores e saberes, tem o objetivo de contribuir para transformar Garanhuns em uma cidade leitora.

A cada edição, o FILIG caminha um pouco mais para esse objetivo ao traçar atividades e ações que envolvam não apenas os pequenos leitores, mas profissionais que têm a leitura como essência do trabalho. Assim, o festival reúne educadores, bibliotecários, estudantes de Letras e Pedagogia e mediadores de leitura no Seminário FILIG de Leituras.

Também percorre escolas e bibliotecas da cidade na Caravana FILIG de Leituras, oferecendo mediações de leitura e distribuindo livros de autores que serão trabalhados na edição. Por fim, em sua culminância, promove encontros. Do público com autores, escritores e ilustradores, com apresentações culturais, com o universo literário e com a ILUSTRImagem, exposição pensada e desenvolvida por ilustradores também aberta ao público.

Nos cinco anos de realização, foram 30 convidados internacionais e nacionais, mais de 15 mil participantes, aproximadamente 170 horas de programação e uma média de 426 mil pessoas impactadas. Os números superlativos refletem a força do FILIG e a certeza de que a transformação pela leitura é possível, quando ainda era o sonho da Ferreira Costa e Proa Cultural, idealizadoras do projeto.

Neste ano, o FILIG chega a 6ª edição. Mais digital, acompanha uma realidade cada vez mais conectada, e atento aos cuidados sanitários estabelecidos pela Covid-19, que acabou impossibilitando a realização do festival em 2021.

Assim, o FILIG terá formato híbrido, com ações presenciais e atividades online. Uma programação que tem como tema “Muito Além das Fadas” e começa em março, com as ações formativas, e chega ao ápice nos dias 1º, 2 e 3 de abril, com a realização do Festival.

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FILIG 6ª edição

Com curadoria do ilustrador e escritor Luciano Pontes, a 6ª edição do Festival Internacional de Literatura Infantil de Garanhuns traz como tema “Muito Além das Fadas”, encerrando a trilogia de oralidade, que trouxe a literatura indígena e africana nas edições anteriores.

Agora, os contos maravilhoso e de fadas, que permeiam nossa memória e história, vão nortear a programação do evento.

Em formato híbrido e nova data, a 6ª edição do FILIG vai acontecer em março e abril e contará com duas convidadas internacionais: Ágatha Kretli (PT) e Rina Singh (IND). Além delas, aproximadamente 20 escritores, autores e ilustradores de vários estados brasileiros vão enriquecer a programação deste ano.

Em março, o FILIG fará a doação de kits com obras literárias, somando mais de 700 livros, para todas as instituições de ensino e bibliotecas do município. Dessas, oito escolas receberão também momentos de mediação de leitura e a exposição ILUSTRImagem, que ficará disponível no local para o convívio de alunos e professores. Ainda em março, o festival dará início às ações formativas, com o Seminário FILIG de Leituras no Centro de Produção Cultural, Tecnologias e Negócios do Sesc (CPC), em Garanhuns.

No dia 1º de abril, a abertura do evento contará com a realização do terceiro Seminário FILIG de Leituras, apresentação da Tropa do Balacobaco, bate-papo com autores e a exposição ILUSTRImagem. Nos dias 2 e 3, já no formato online, serão mais três bate-papos e mais três ateliês de criação com convidados.

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Muito Além das Fadas

Refazendo Falas e Estereótipos

A roda-gigante do mundo gira incessantemente, e, automatizados, é comum seguirmos a rota sem olhar para trás ou mesmo olhar para frente e refazer caminhos. Olhar para a gira do mundo pela literatura é uma forma de reconhecer nossas heranças e seus contextos, além de lançar um olhar reflexivo sobre o que poderá vir adiante ou como a atual literatura para as infâncias vem atuando numa reparação histórica.

Por isso, a 6ª edição do Filig busca refazer o caminho dessas narrativas seguindo pelas trilhas do “muito além das fadas”. Percebendo as raízes e origens orientais e célticas desses contos alusivos às fadas, que nem sempre são as protagonistas, chegamos até aqui numa trilogia curatorial temática que perpassou a literatura indígena e africana e agora os contos maravilhosos e de fadas.

Esses enredos e tramas dos contos populares no mundo se misturam em linhas infinitas de saberes e mutações. Condicionadas pela cultura e seus modos de pensar e existir no mundo, é comum encontrarmos estruturas semelhantes em diferentes partes do mundo com títulos ou personagens reinventados. Essas estruturas, aparentemente simples, revelam o poder da narrativa que surge antes da escrita, uma tecnologia ancestral maior da língua falada e falante, como bem diferencia o filósofo Merleau-Ponty. O autor subdivide a fala em dois tipos: fala falada e fala falante. Na fala falada, os símbolos são conhecidos, pois “a fala falada desfruta as significações disponíveis como a uma fortuna obtida”; por outro lado, a fala falante produz significados com “intenção significativa em estado nascente” (MERLEAU-PONTY, 1999, pp. 266-267). Para uma análise atual dos contos clássicos, é possível pensar pela fala falante, em que a significação busca intenções que possibilitam abertura, releituras e reescritas ao ler falas e descrições que reforçam estereótipos negativos relacionados ao feminino e a outras tantas questões sociais.

A presença da mulher nos contos maravilhosos e de fadas é bem significativa. Algumas histórias reforçam pensamentos arcaicos e já intoleráveis da sociedade. Há uma necessidade urgente de uma reparação, e não discordo disso, mas é preciso olhar para esses contos também pelo seu valor simbólico. Não reforço o aspecto psicológico tão propagado pelos estudiosos a partir do livro do Bruno Bettelheim. Mas convido para refazer esse caminho simbólico pela filosofia e sociologia, que vão trazer revelações novas para essas construções orais arqueológicas e ancestrais da vida social.

A herança do conto oral é protagonizada por muitas mulheres aparentemente frágeis e subordinadas, mas essas foram as histórias que foram mais propagadas pela cultura vigente e ganharam mais notoriedade nas grandes telas. Existem e sempre existiram, porém, outras histórias sobre mulheres belas, guerreiras e fortes. Foram abafadas historicamente pela cultura do acobertamento. De alguma forma, acreditava-se que esses contos também ajudavam na educação e era preciso manter o que se supunha ser uma forma de domesticação humana pela ficção.

A presença feminina também foi abafada historicamente pela recolha desses contos orais no mundo. A francesa Madame D’Aulnoy já cultuava e recolhia contos populares na aristocracia do século XVII. A pesquisadora Susana Ventura traz nomes como Madame de Villeneuve e Madame de Beaumont, protagonistas dessa memória de boca em boca que ganhou os livros impressos e versões cinematográficas, mas que ficaram historicamente presas no “espelho” da vaidade do mundo masculino.

Muitas mulheres escritoras também vão se aprofundar nesse mundo simbólico e fascinante dos contos maravilhosos e de fadas, como as brasileiras Marina Colasanti, Rosana Rios, Heloisa Prieto e Katia Canton. Elas vão refazer os estereótipos e as falas, cuidando da trama com muita liberdade criativa e respeito poético em suas criações. As escritoras estrangeiras Angela Carter e Ethel Jonhston vão também ampliar olhares criativos nessas releituras e reescritas reparadoras da presença e permanência da figura feminina nos contos de fadas.

A sociedade vive sob as ameaças constantes do mundo poético porque esses contos parecem conter certos enigmas. É preciso uma leitura atenta e sensível mesmo para as narrativas mais subjugadas, tidas como bobas. Aterrorizados pelo medo do entendimento, vimos nos últimos quatro anos no mundo muitas iniciativas individuais de punição para livros que trazem narrativas “perturbadoras”.

A fogueira do esquecimento continua mantendo sua chama. Sempre pronta para atacar a literatura, ela chega embasada por fundamentações religiosas e culturais. No fundo, só revela nossa intolerância à diversidade e inabilidade para a leitura. Diferentemente do que se lê em A Triste História de Eredegalda recolhida por Câmara Cascudo e recontada por José Mauro Brant, obra censurada e acusada de incentivar a cultura do incesto, a criança, protagonista da trama, diz “não” à autoridade do pai e do homem, recusando-se a prosseguir com seu plano de tê-la como rainha. A criança na história diz “não” e se nega a continuar, mas sofre as consequências da sua decisão. Ela verbaliza sua negação, e isso é mais reparador do que toda a dor e tristeza dessa história que nos faz pensar e sublimar como pássaros encantados.

É preciso repensar e modificar as formas de aprender e apreender o mundo, como assim fazem constantemente os bebês. Prefiro seguir apreendendo para aprender, garantindo que a autonomia siga por caminhos infinitos e afetivos.

Luciano Pontes
Escritor e ilustrador especialista em Literatura Infantil e Juvenil e curador do Filig

Referência
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2. ed. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: M. Fontes, 1999.

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Lobo, Mau?

Muitos personagens coabitam o imaginário da humanidade, sejam eles reais ou inventados. Nas fábulas, os animais protagonizam enredos que trazem situações corriqueiras e tramas com mensagens para uma aprendizagem no mundo, como se a literatura tivesse, redundantemente, só essa função pedagógica. Pensando na sua função estética e metafórica, os animais também evocam nosso lado irracional, instintivo e, muitas vezes, sombrio da composição empírica da alma humana. A cultura e a filosofia xamânica sempre estiveram atentas a essas energias que nos cercam pela presença e convivência com a natureza e com os animais.

Os contos maravilhosos, espalhados pela boca aberta do povo ou pelas mãos hábeis e codificantes do letramento literário, vão evocar sempre a presença dos personagens e figuras não estruturadas que traduzem a manifestação onírica da imaginação. O medo, a violência, as disputas e os assombros vão tematizar muitas das histórias clássicas da tradição oral que foram distorcidas para preservar ideologias do subjugamento do imaginário, principalmente quando se fala para crianças. O Lobo é uma dessas personas icônicas e arquetípicas que entram e saem de muitas histórias conhecidas da humanidade universal e permanece atual até hoje. Famoso pela esperteza e audácia, o Lobo vestiu a pele de mau e arrasta até hoje essa fama por muitos livros.

Assim, inspirada pela força enigmática dessa personagem, a 3ª edição da ILUSTRImagem na 6ª edição do Filig dedica uma exposição itinerante e descentralizada em oito escolas da rede pública e municipal de Garanhuns, expondo oito ilustrações originais criadas por artistas brasileiros especialmente para esta edição. Esses artistas da ilustração foram estimulados a responder à pergunta: E agora o que diz? O Lobo, Mau?

Nessa indagação, apontamos caminhos de descobertas e soluções a cada edição da exposição de ilustração, que se torna, assim, mais um dos espaços investigativos no Filig, trazendo maneiras diferentes de criar, ler e apreciar narrativas visuais. Nesta edição dedicada ao universo dos contos maravilhosos, destacar a figura simbólica do Lobo, arquétipo presente em muitos contos da tradição oral mundial é evocar o lado sombrio e dúbio, o enigmático da humanidade através do animalismo. Dar visibilidade ao Lobo em estilos e estéticas diversas para crianças é pensar na sombra que revela o lado luminoso da alma humana, é reconhecer que é preciso cuidar do medo e como cristalizamos formulações estereotipadas do mundo e das coisas. E por que não dos personagens dos livros para as infâncias? Essa pergunta pede uma resposta. Assim, convidamos você a pensar conosco e reavaliar formulações e leituras sobre o Lobo e quem sabe responder: O Lobo é Mau?

Alexandre Rampazo (SP)
Aline Abreu (SP)
André Neves (PE)
Elma Fonseca (PE)
Jonathas Martins (RS)
Luciano Pontes (PE)
Mariana Massarani (RJ)
Roger Mello (RJ)

Memórias

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